Somático

Renan Sá
1 min readFeb 6, 2024

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Às vezes, há coisas que seguro ao corpo e que, de alguma forma, são indissociáveis dele. Acho que os objetos podem ser uma espécie de extensão, um membro que se liga ao organismo, como se sempre tivessem sido parte do corpo composto. Não consigo deixar de pensar em canecas, mochilas e isqueiros, que estão sempre ligados ao toque, agarrados em alguma parte minha. Não sei. Existe uma parte dos meus lábios nesta caneca que agora mantenho à esquerda da escrivaninha, e o suor, que se agarra à alça, negra como o copo, mantém algo de secreto que guardo na saliva, algo que só conheço nessa fusão do objeto e dos fluídos, que se espalham nas bordas. E não consigo sair de casa sem uma mochila verde musgo, já que, ao caminhar com ela, carrego certa compleição, certo sentimento frágil de juventude. É isso que sou: um jovem estudante. É algo que sei e posso dizer. O isqueiro, por outro lado, se difere desses adereços. Ele, eu guardo no bolso, e há entre ele e a pele uma fina camada de tecido, que não se liga propriamente ao corpo, embora eu consiga senti-la, assim como o objeto. Essa fina camada é a mesma que percebo entre mim e o desconhecido que compartilho o fogo. E quando me perguntam se fumo, digo que não, mas que bebo café e guardo cigarro no bolso traseiro.

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